Uma breve história dos conclaves

Zsolt Aradi, Tradução: Equipe Christo Nihil Præponere

As circunstâncias em torno da eleição do Papa nem sempre foram tão tranquilas e ordeiras como atualmente, e nem sempre a eleição foi realizada em Roma.

O sistema de eleição atual teve origem há mais de oitocentos anos. Para compreendê-lo, temos de voltar aos primeiros tempos do cristianismo.

Os primeiros Papas

São Pedro, o primeiro Papa, não foi eleito pelos Apóstolos, pois recebeu a sua missão do divino Mestre. Não sabemos como foram eleitos os seus sucessores diretos. Uma carta de São Clemente, escrita em 98 d.C. aos coríntios, sugere que os bispos eram eleitos pelo clero e pelos fiéis. Pressupõe-se, portanto, que o bispo de Roma, e chefe da Igreja, era eleito da mesma forma.

“Cristo entregando as chaves a São Pedro”, por Pietro Perugino.

Um século e meio depois, a 251 d.C., São Cipriano de Cartago disse numa carta sobre a escolha do Papa São Cornélio que ele foi eleito [isto é, feito bispo] pelo “juízo de Deus e de Cristo, testemunhado por quase todo o clero [de Roma] e com o sufrágio do povo presente”.

Portanto, na antiguidade, o Papa era eleito, tal como os bispos, pelo clero e pelo povo de Roma.

Como todo o povo se envolvia na eleição, facilmente surgiam facções partidárias de que se servia o crescente poder secular. Depois de algum tempo, o governante de Roma passou a ter uma influência grande e, por vezes, decisiva na eleição: primeiro os imperadores ocidentais, depois os reis germânicos (góticos), em seguida os imperadores do Império Romano em declínio, mais tarde a nobreza romana, os reis medievais e, finalmente, os imperadores do Sacro Império Romano.

No século IV ocorreram graves problemas. Em 366, quando foi eleito Papa São Dâmaso, um austero monge espanhol, os partidários do ambicioso e vaidoso diácono Ursino, enfurecidos com a derrota dele, invadiram as igrejas e massacraram centenas de fiéis. Para evitar esses incidentes, os Papas pediram a proteção do governante da cidade, fosse quem fosse, mas não abandonaram o princípio de que o direito de eleger o bispo de Roma pertencia não ao governante, mas ao povo e ao clero

Em resumo: até o século VIII, a eleição de um Papa não era diferente da eleição de um bispo. Depois do século VIII, foi o clero [romano] que passou a eleger o Papa com a ajuda do povo.

“Século de ferro” e primeiras mudanças

O século X foi um período muito humilhante para o papado. 

Durante o reinado de Formoso (891-896), natural da Córsega, um dos mais importantes cargos da corte papal foi confiado a um certo Teofilacto, cuja esposa Teodora, uma mulher ambiciosa e imoral, logo obteve poder suficiente para se imiscuir diretamente nos assuntos romanos. Suas duas filhas, Teodora, a Jovem, e Marózia, eram ainda mais ambiciosas, e junto com a mãe desempenharam um papel tão importante na política romana que, em 903, com a morte do Papa Leão V, a família de Teofilacto tinha meios para controlar as eleições papais. Um mês após a sua legítima eleição, o Papa Leão V foi destronado, preso, torturado e finalmente morto por bandidos pagos por essa família. 

Seguiu-se o século de ferro do papado, durante o qual o controle [da Sé Apostólica] ficou nas mãos das duas mulheres: Teodora e Marózia [1].

No vergonhoso Sínodo do Cadáver, o corpo do Papa Formoso foi desenterrado, julgado, condenado e lançado no rio Tibre. Começava o triste “século de ferro”.

O Papa Nicolau II (1059-1061) finalmente aboliu o antigo sistema segundo o qual, desde 769, o clero elegia o bispo romano. Determinou ele que o clero, incluindo os cardeais-diáconos e os cardeais-presbíteros, podia colaborar, mas que só os cardeais-bispos podiam eleger o Papa. 

No entanto, o decreto nem sempre foi cumprido. Após a morte de Alexandre II, em 1073, quando o funeral do Papa terminou, o povo e o clero presentes gritaram: “Hildebrando Papa”. Este, um monge, uma das maiores personalidades religiosas da Idade Média, que trabalhou durante décadas para purificar o papado de influências seculares indevidas, não quis aceitar o cargo. Finalmente, os cardeais, o clero e o povo gritaram unanimemente: “São Pedro escolheu Hildebrando para Papa”. Sob o nome de Gregório VII, o humilde Hildebrando tornou-se um dos mais notáveis reformadores do papado. 

Mais tarde, Alexandre III, em 1179, decretou que o bispo de Roma devia ser eleito pelas três categorias de cardeais: cardeais-bispos, cardeais-presbíteros e cardeais-diáconos. Decretou também que a eleição devia ser por maioria de dois terços [— resolução que prevalece até o dia de hoje] [2]. 

Neste famoso afresco de Rafael, vemos “O Papa Gregório IX aprovando as Decretais”, importante fonte do direito canônico medieval.

No início do século XIII, após a morte do enérgico Gregório IX (1216-1241), que combateu com sucesso Barbarossa, canonizou São Francisco de Assis e ajudou a difundir a Ordem franciscana, o filho de Barbarossa, Manfredo, continuou os ataques do pai ao papado. Diante dessa situação de extrema dificuldade, os cardeais não conseguiram encontrar um homem com força suficiente para ser o chefe da Igreja. O Papa Celestino, eleito em 1241, morreu quase imediatamente. Após a sua morte, seguiu-se um período de vacância de um ano e meio, que só terminou quando o senado romano e o povo prenderam os cardeais num edifício semelhante a uma fortaleza, o Septizódio, construído pelo imperador Sétimo Severo. 

O Papa finalmente eleito foi Inocêncio IV, que foi expulso de Roma por Manfredo, filho do imperador alemão Frederico II, mas acabou regressando. Seu sucessor, Alexandre IV, também obrigado por Manfredo a sair de Roma, foi eleito em Nápoles. Lá, um prefeito obstinado fechou as portas da cidade e obrigou os cardeais a elegerem um novo Papa no prazo de cinco dias. 

Alexandre, que depois voltou para Roma, foi expulso novamente e morreu em Viterbo, cidade localizada a norte da capital. Seu sucessor, Urbano IV, foi eleito após três meses de deliberação dos cardeais, e o sucessor de Urbano, Clemente IV, após quatro meses. Clemente morreu em Viterbo, em 1268.

Mais um período conturbado

Este foi o período mais conturbado da Idade Média, o tempo das últimas Cruzadas para proteger os lugares santos na Palestina, o tempo das agitações na Europa e também nas almas dos indivíduos. Quando Clemente IV morreu em seu palácio situado entre as colinas de Viterbo, os dezoito cardeais se retiraram para eleger um novo Papa, mas, diante da situação caótica do mundo cristão, nenhum deles quis assumir a terrível responsabilidade.

Passaram-se dias, semanas, meses, anos, sem que houvesse um Papa. O mundo cristão ficou ansioso, e o rei da França e outros soberanos visitaram Viterbo para exortar os cardeais a pôr fim à longa vacância. Finalmente, São Boaventura aconselhou o povo de Viterbo a recorrer às medidas que os romanos e napolitanos praticavam quando a eleição se prolongava demais. Então, o povo trancou os cardeais num palácio, mas nem mesmo essa medida foi capaz de apressar a resolução da questão.

“O enterro de São Boaventura”, por Francisco de Zurbarán. O Papa que aparece na pintura é Gregório X, o criador dos conclaves.

Foi então que o presidente da Câmara de Viterbo, Alberto Montebono, e o capitão da milícia municipal, Gallo, decidiram utilizar métodos mais enérgicos. Todas as entradas do palácio foram cercadas de muros por pedreiros. A comida era entregue através de uma pequena porta giratória. O presidente da Câmara nomeou um corpo especial, sob a direção do Marquês Savelli, para vigiar o edifício e impedir que alguém conseguisse escapar. Vários cardeais do palácio adoeceram e alguns morreram, mas mesmo assim não houve eleição. O presidente da Câmara ordenou então que o telhado do palácio fosse demolido, deixando os cardeais expostos às chuvas de outono. Ao mesmo tempo, ordenou que só se ministrasse pão e água aos eleitores.

Então, os cardeais ofereceram o papado a São Filipe Benício, uma das maiores personalidades daquela época conturbada. Ao saber das intenções deles, o santo fugiu em segredo e permaneceu na solidão até que fosse feita outra escolha. Esta recaiu sobre Teobaldo Visconti, legado papal na Síria, que não era nem cardeal nem ministro ordenado. Ele aceitou a eleição e, mais tarde, subiu ao trono como Gregório X. 

Assim terminou a vacância da Sé Apostólica, ao cabo de três anos e meio.

Origem do conclave

Consciente de todos os males decorrentes de uma longa vacância, Gregório X, na Constituição Apostólica Ubi periculum, de 1274, deu origem ao “conclave” (que significa tanto o sistema como o lugar da eleição). “Conclave” vem da palavra latina clavis (chave) e designa um lugar fechado.

Gravura de um conclave na Capela Sistina.

Esse sistema foi aperfeiçoado por vários Papas. Pio X adaptou-o aos tempos modernos e tanto Pio XI como Pio XII fizeram-lhe alterações [— mais recentemente, também São João Paulo II e o Papa Francisco]. No entanto, fundamentalmente, as cerimônias tradicionais são as mesmas desde 1274 [3]. 

Portanto, a vacância de três anos e as medidas do povo de Viterbo terminaram criando o conclave para a eleição dos Papas. Com efeito, quando Gregório X promulgou a sua Constituição Apostólica, já estava decidido que o bispo de Roma devia ser eleito por todos os cardeais, num local fechado por fora.

Os procedimentos instituídos por Gregório eram severos. Todos os cardeais tinham de ficar trancados num recinto, onde dormiam, comiam e deliberavam. Eles recebiam alimentos por uma janela. A partir do terceiro dia, era-lhes servido apenas um prato em cada refeição e, do oitavo em diante, apenas pão e água e um pouco de vinho. Mais tarde, essas regras foram atenuadas, mas, séculos depois, o princípio básico da reclusão absoluta dos cardeais em relação ao mundo exterior continua vigente até hoje.

Conclaves difíceis

Alguns conclaves podem ser considerados “perigosos” para os participantes. 

Por ocasião da eleição de Urbano VIII, em julho de 1623, Roma foi atingida por uma onda de calor excessivo. O conclave durou apenas onze dias, mas muitos cardeais contraíram malária. Além disso, oito cardeais e quarenta auxiliares deles, os chamados conclavistas, morreram. Até o novo Papa, com apenas 55 anos, forte e saudável, contraiu a doença e escapou por pouco da morte.

Lambertini, o “homem honesto” que tomou o nome de Bento XIV. Quadro de Pierre Subleyras.

O sistema do conclave nem sempre economizou tempo. O de 1740, por exemplo, durou seis meses. Os cardeais estavam cansados, muitos adoeceram, mas não havia solução à vista. Então, segundo um relato, o Cardeal Lambertini, conhecido por seu senso de humor e, ao mesmo tempo, por sua vida piedosa, disse em tom de brincadeira à assembleia: “Temos de acabar já com isto… Se quereis um santo, elegei o Cardeal Gotti; se quereis um estadista, elegei o Cardeal Aldrovandi; mas, se estais dispostos a contentar-vos com um homem honesto, aqui estou”. E a história nos ensina que Lambertini foi eleito, e a escolha foi sábia.

Uma das grandes provações do papado moderno ocorreu na época da França revolucionária e napoleônica, depois de 1789. O exército de Bonaparte invadiu os Estados Pontifícios, então sob o domínio de Pio VI (1775-1799), e no Tratado de Tolentino exigiu o que foi provavelmente o maior resgate da história, incluindo a transferência para os franceses de todas as obras de arte do Palácio do Vaticano (a maior parte delas encontra-se atualmente no Louvre). Quando o seu principal delegado em Roma foi assassinado, Napoleão prendeu o Papa. Pio VI morreu desolado, como um pobre exilado na França. Antes de morrer, porém, conseguiu escrever uma carta a Consalvi, seu ministro de confiança (o que seria atualmente o cardeal secretário de Estado), dizendo-lhe o que fazer em caso de vacância da Sé Apostólica.

Consalvi estava na prisão, mas conseguiu fugir e chegou a Veneza disfarçado. De lá, enviou um apelo ao Sacro Colégio e o conclave realizou-se em Veneza, em março de 1800. O novo Papa, Pio VII, foi coroado em Veneza, na Basílica de São Marcos. Mas logo em seguida o governo austríaco protestou, afirmando que a coroação era um símbolo do poder temporal, e que, como o Papa havia sido expulso de Roma e o seu Estado estava nas mãos dos franceses, ele já não possuía soberania territorial.

O último veto

Cerca de cem anos depois, o governo austríaco tentou novamente interferir numa eleição papal. 

Quando o conclave que se seguiu à morte de Leão XIII começou, em 30 de julho de 1903, parecia quase certo que o secretário de Estado de Leão XIII, o Cardeal Rampolla, seria escolhido para sucedê-lo. 

O Cardeal Rampolla, secretário de Estado de Leão XIII, preterido por São Pio X no Conclave de 1903.

De repente, o Cardeal Puszyna, arcebispo de Cracóvia (hoje na Polônia, mas naquela época parte da Áustria), levantou-se e, dirigindo-se aos seus “veneráveis irmãos, senhores cardeais da Santa Igreja Romana”, disse que tinha sido instruído por seu augusto soberano, Sua Majestade Imperial, Francisco José, o Imperador da Áustria e Rei da Hungria, que, se o Cardeal Rampolla recebesse o número de votos necessários para o eleger, o Rei-Imperador “exerceria o seu poder de veto”.

Esse direito de exclusão, vulgarmente chamado de veto, existia realmente e era por vezes, exercido pelas potências católicas, mas o costume tinha sido abandonado há muito tempo.

O Cardeal Rampolla protestou contra a interferência da Áustria, não por interesse próprio, mas para preservar os direitos do conclave. O cardeal polonês de Cracóvia, porém, foi firme. O conclave não podia eleger Rampolla e não o fez. Em seu lugar, elegeu Giuseppe Sarto, o Patriarca de Veneza.

Ao sair de Veneza, a caminho do conclave de Roma, Sarto comprara passagem de ida e volta na estação ferroviária. Agora, porém, era ele o Papa (canonizado em 1954). Um de seus primeiros atos foi abolir o quase esquecido direito de veto. E, como escreveu uma testemunha contemporânea após o conclave que elegeu São Pio X, “o bispo Merry del Val repreendeu Puszyna como provavelmente nenhum outro cardeal antes fora repreendido no Vaticano. Mesmo os aposentos dos Bórgias jamais haviam feito eco a tal linguagem”.

Referências

Notas

  1. Logo após este parágrafo, o autor registra que, não obstante estes lamentáveis fatos, “a história… recorda e respeita São Leão Magno, São Gregório Magno e outros Papas que governaram a Igreja na mesma época, pois eles deram à Santa Sé um brilho que assegurou o seu prestígio para as gerações vindouras”. Associar, porém, Leão e Gregório ao “século de ferro” é uma grave imprecisão histórica. Por isso omitimos este parágrafo na tradução. (N.T.)
  2. No texto original, o autor recorda que “este último decreto permaneceu em vigor até 8 de dezembro de 1945, quando o Papa Pio XII determinou que as eleições fossem decididas por pelo menos dois terços mais um”. João Paulo II determinou algo semelhante na Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, falando de “um sufrágio a mais”, no entanto, somente no caso em que o número de cardeais presentes não pudesse ser dividido em três partes iguais. Restaurando a norma tradicional, o Papa Francisco estabeleceu que, “para a eleição válida do Romano Pontífice, se requerem pelo menos dois terços dos sufrágios, calculados com base nos eleitores presentes e votantes” (Normas Nonnullas). (N.T.)
  3. O autor menciona aqui a função do maresciallo do conclave, uma espécie de “guardião” do retiro dos cardeais, cargo hereditário até 1966, quando foi suprimido. Quando os cardeais se retiravam a portas trancadas, era este maresciallo que, “trajando vestes medievais, guarda[va] as chaves” do recinto, tendo a sua própria bandeira hasteada no Vaticano. (N.T.)

Via: padrepauloricardo.org

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