«E os dois serão uma só carne»

Bento XVI – papa de 2005 a 2013
Encíclica «Deus charitas est», §9-11

A relação de Deus com Israel é ilustrada através das metáforas do noivado e do matrimónio; consequentemente, a idolatria é adultério e prostituição. […] O eros de Deus pelo homem – como dissemos – é ao mesmo tempo totalmente agapê. […] O amor apaixonado de Deus pelo seu povo – pelo homem – é ao mesmo tempo um amor que perdoa. […] Na Bíblia encontrarmo-nos diante de uma imagem estritamente metafísica de Deus: Deus é absolutamente a fonte originária de todo o ser; mas este princípio criador de todas as coisas – o Logos, a razão primordial – é, ao mesmo tempo, um amante com toda a paixão de um verdadeiro amor. Deste modo, o eros é enobrecido ao máximo, mas simultaneamente tão purificado que se funde com a agapê.

A primeira novidade da fé bíblica consiste na imagem de Deus; a segunda, essencialmente ligada a ela, encontramo-la na imagem do homem. A narração bíblica da criação fala da solidão do primeiro homem, Adão, querendo Deus pôr a seu lado um auxílio. […] A ideia de que o homem de algum modo está incompleto, constitutivamente a caminho a fim de encontrar no outro a parte que falta para a sua totalidade, isto é, a ideia de que só na comunhão com o outro sexo pode tornar-se «completo», está sem dúvida presente. E, deste modo, a narração bíblica conclui com uma profecia sobre Adão: «Por este motivo, o homem deixará o pai e a mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne» (Gn 2,24).

Aqui há dois aspetos importantes: primeiro, o eros está de certo modo enraizado na própria natureza do homem; Adão anda à procura e «deixa o pai e a mãe» para encontrar a mulher; só no seu conjunto é que eles representam a totalidade humana, tornando-se «uma só carne». Não menos importante é o segundo aspeto: numa orientação baseada na criação, o eros impele o homem ao matrimónio, a uma ligação caracterizada pela unicidade e para sempre; é assim, e somente assim, que se realiza a sua finalidade íntima. À imagem do Deus monoteísta corresponde o matrimónio monogâmico. O matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano.

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