«Cala-te e sai desse homem»
O batismo, banho de santidade, lava as manchas do pecado, mas não altera a dualidade da nossa vontade, nem impede que os espíritos do mal nos combatam ou nos enredem nas suas ilusões. […] Mas a graça de Deus tem a sua morada nas profundezas da alma, ou seja, no entendimento. Com efeito, diz-se que a filha do rei e as donzelas suas amigas «são conduzidas entre júbilo e regozijo e dão entrada no palácio do rei» (Sl 44,16), não se mostrando aos demónios. Quando nos recordamos de Deus com fervor, sentimos brotar o desejo do divino no fundo do nosso coração; mas, nessa altura, os espíritos malignos atacam os sentidos corporais e aí se ocultam, aproveitando o relaxamento da carne. […] Desta forma, o nosso interior rejubila continuamente na lei do Espírito (cf Rom 7,22), como diz o divino apóstolo Paulo, mas os sentidos da carne desejam deixar-se levar pela propensão para os prazeres […]. «A luz brilha nas trevas e as trevas não se apoderaram dela» (Jo 1,5) […]: o Verbo de Deus, verdadeira luz, no seu incomensurável amor pelo Homem, considerou oportuno manifestar-Se à criação em carne e osso, acendendo em nós a luz do seu conhecimento divino. O espírito do mundo não acolheu o desígnio de Deus, isto é, não O reconheceu. […] No entanto, como maravilhoso teólogo, o evangelista João acrescenta: «A Palavra era a luz verdadeira, que ilumina todo o homem que vem ao mundo. Estava no mundo e o mundo por meio dela surgiu; mas o mundo não a conheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não a acolheram. Mas a todos quantos a receberam deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus» (9-12). […] Quando diz que o mundo não recebeu a verdadeira luz, o evangelista não se refere a Satanás, que é estranho a essa luz, visto que a rejeitou desde o início. Com esta afirmação, São João acusa justamente os homens que compreendem os poderes e as maravilhas de Deus, mas, devido ao seu coração obscurecido, não querem aproximar-se da claridade do seu conhecimento.
Diádoco de Foticeia (c. 400-?) bispo – Cem capítulos sobre o conhecimento, 78-80, na Filocalia