A sabedoria cristã

   O Senhor continuou, dizendo: Bem‑aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Esta fome não deseja nada corporal, nem esta sede busca coisa alguma terrena, mas aspira aos bens da justiça, deseja conhecer o segredo de todos os mistérios, quer saciar‑se com o próprio Deus.
   Feliz a alma que suspira por este alimento da justiça e deseja ardentemente esta bebida; certamente não a desejaria se não tivesse saboreado a sua suavidade. Pressentiu o gosto da doçura celeste ao ouvir a palavra profética: Saboreai e vede como é bom o Senhor; e de tal modo se inflamou nas alegrias do casto amor, que, renunciando a todas as coisas temporais, desejou ardentemente comer e beber a justiça e compreendeu a verdade daquele mandamento que diz: Amarás o Senhor Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças; porque amar a Deus é amar a justiça.
   E assim como o amor de Deus está sempre associado à solicitude pelo próximo, também este desejo da justiça é sempre acompanhado pela virtude da misericórdia; por isso diz o Senhor: Bem‑aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
   Reconhece, ó cristão, a sublime dignidade da tua sabedoria e compreende a excelência dos seus caminhos e a admirável recompensa a que és chamado. Aquele que é a misericórdia quer que sejas misericordioso, Aquele que é a justiça quer que sejas justo, para que, mediante a imitação das obras divinas, o Criador Se manifeste na sua criatura e a imagem de Deus resplandeça no espelho do coração humano. Nunca será frustrada a fé dos que praticam boas obras; se assim fizeres, cumprir‑se‑ão os teus desejos e gozarás eternamente os bens que amas.
   E porque através da esmola tudo se torna puro para ti, chegarás também àquela bem‑aventurança que a seguir foi prometida pelo Senhor com estas palavras: Bem‑aventurados os
puros de coração, porque verão a Deus. Grande é a felicidade, irmãos caríssimos, daquele para quem está preparado tão grande prémio. Que é ter o coração puro, senão praticar diligentemente as virtudes anteriormente mencionadas? E que inteligência é capaz de compreender, que língua saberá explicar a imensa felicidade que é ver a Deus? E no entanto é isso precisamente que há‑de conseguir a natureza humana quando for transformada: verá a Divindade em Si mesma, não já como num espelho, de maneira confusa, mas face a face; verá Aquele que jamais homem algum pôde ver; então, o que os olhos não viram, nem os ouvidos escutaram, nem jamais passou pela mente humana, será conseguido na alegria inefável da contemplação eterna.

Do Sermão de São Leão Magno, papa, sobre as Bem‑aventuranças
(Sermo 95, 4-6: PL 54,462-464) (Sec. V)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *