A Ressurreição e as duas vitórias sobre a morte
Em que realmente consiste a vitória de Cristo sobre a morte? Como podemos participar da Ressurreição de Cristo, antes mesmo de ressuscitarmos no fim dos tempos? Essas e outras perguntas são respondidas pelo Padre Paulo Ricardo na homilia deste Domingo de Páscoa.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 20, 1-9)
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram”. Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou. Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte. Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou. De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos.
Neste domingo, celebramos a mais importante solenidade de todo o ano litúrgico: a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, nesta solenidade extraordinária, somos convidados a refletir sobre esse importante mistério da nossa fé católica.
Celebrar a Ressurreição de Jesus implica compreender a salvação que Ele nos trouxe, o que só é possível reconhecendo a perdição na qual nos encontramos sem Ele. Mas, antes de falarmos da Ressurreição, é essencial refletirmos sobre nossa situação de perdição, que pode ser resumida na palavra “morte”. Desse modo, sem compreender o drama da morte, não reconheceremos a grandeza da Ressurreição que Cristo nos oferece.
A morte, como a experimentamos no dia a dia, é a morte física, realidade inexorável que nossa sociedade tenta, inutilmente, ignorar. Apesar de todos os nossos esforços para adiá-la — quando nos alimentamos, dormimos, vestimos roupas adequadas, construímos abrigos ou cuidamos da saúde — no fim, ela sempre vence. Podemos lutar inúmeras vezes contra a morte, mas, na última batalha, seremos derrotados por ela. A morte física é a separação do corpo e da alma, um destino que ser humano algum pode evitar.
Embora a morte física seja uma realidade biológica, Deus não a desejou para nós. Animais morrem, mas, por revelação divina, sabemos que, no plano original de Deus, o ser humano não deveria morrer. Deus, em sua graça, teria providenciado um meio para isso. No entanto, antes mesmo da morte física, surgiu algo ainda mais grave: a morte eterna. Se a morte física é a separação do corpo e da alma, a morte eterna é a separação da alma de Deus, e essa é a pior perda possível. Fomos criados para Deus, e apenas Ele pode saciar nossa sede de felicidade. Quando nos afastamos d’Ele, experimentamos uma morte mais profunda do que a biológica, pois nos distanciamos da própria fonte do nosso ser.
Santo Afonso descreve a morte eterna como uma “vida mortífera” e uma “morte imortal”, pois o Inferno reúne todo o mal da vida e da morte. Nele, a alma, separada de Deus para sempre, deseja morrer, mas continua existindo em um sofrimento sem fim. Longe da fonte da vida, experimenta uma angústia incomparável, onde os sofrimentos terrenos são apenas uma pálida sombra do tormento eterno.
Com o pecado, Adão e Eva separaram suas almas de Deus e entraram na morte eterna. Ao vê-los nessa condição, tratando-o como inimigo e se escondendo d’Ele, Deus permitiu a morte biológica como um castigo amoroso. Esse sofrimento não foi por crueldade, mas para que, humilhados pela finitude, despertassem para a necessidade de retornar a Deus. Assim como o Filho Pródigo caiu em si ao enfrentar a miséria, a morte física e as dores da vida nos lembram da nossa dependência do Pai e chamam-nos à conversão.
Ora, a morte física é um castigo, mas também um sinal amoroso de Deus, que nos chama de volta para Ele. Com sua Ressurreição, Nosso Senhor venceu tanto a morte física, triunfando sobre ela ao unir seu Corpo e Alma para sempre, quanto a morte eterna, destruindo a inimizade entre Deus e a humanidade. Nele, a Ressurreição nos foi concedida, restaurando a união entre Deus e o homem.
Assim como Adão e Eva primeiro morreram espiritualmente, separando-se de Deus, e depois fisicamente, também precisamos restaurar nossa união com Deus nesta vida para, no fim dos tempos, ressuscitarmos em corpo e alma. Cristo ressuscitou para nos livrar das duas mortes e nos conceder duas vidas: a ressurreição da alma, unindo-nos a Deus, e a ressurreição final, quando corpo e alma serão unidos para a vida eterna — união que acontecerá no último dia.
Diante disso, cabe a nós, no âmbito da nossa realidade concreta, viver bem nesta Páscoa a realidade da ressurreição compreendida como a união da alma com Deus.
Se queremos ressuscitar com Cristo nesta Páscoa de forma verdadeira, precisamos buscar a união com Deus. Essa é a ressurreição mais importante, porque a pior morte não é a física, senão a eterna. A morte física é contornável — ressuscitaremos no último dia —; mas a morte eterna — o Inferno — é definitiva e sem retorno.
Nosso Senhor deseja ressuscitar nossa alma, e o caminho para essa ressurreição é a fé — fé na Ressurreição de Jesus e em sua divindade. Todo o Tempo Pascal nos convida a esse exercício constante de fé, pois é ela que une nossa alma a Deus. Como ensinam Santo Tomás de Aquino [1] e São João da Cruz [2], a fé é o instrumento essencial que nos une a Cristo ressuscitado, permitindo que a vida eterna, plantada em nós por meio do Batismo, comece a germinar em nossa alma.
Dessa forma, a fim de viver a Ressurreição com Cristo, precisamos, antes de tudo, estar em estado de graça. Isso significa crer em Jesus, receber o Batismo e, se já somos batizados, confessar-nos caso estejamos em pecado mortal. A graça santificante é a semente da vida eterna em nossa alma, e sem ela não há verdadeira união com Deus. Se estamos experimentando vazio, tristeza ou frustração, é hora de agir como o Filho Pródigo e voltar ao Pai, que nos acolhe com alegria e nos reveste de uma vida nova. O primeiro passo é claro: buscar os sacramentos, especialmente a Confissão.
A graça precisa crescer em nós, e para isso devemos exercitar a fé. No Evangelho de São João, capítulo 20, vemos que, ao encontrar o túmulo vazio, João “viu e acreditou”. Embora ainda não compreendesse que as Escrituras já anunciavam a Ressurreição, como explica São João Crisóstomo, ele teve fé. Só mais tarde, como relatado no capítulo 24 do Evangelho de São Lucas, Jesus abriria o entendimento dos discípulos para compreenderem plenamente as Escrituras. O importante é que João acreditou, mostrando que a fé precede a plena compreensão.
A fé deve vir antes da visão clara das coisas. Nos relatos da Ressurreição, Nosso Senhor sempre nos dá a oportunidade de crer antes de ver, pois é por meio da fé que nos unimos a Ele. Maria Madalena, por exemplo, primeiro encontra o sepulcro vazio e ouve os anjos anunciando a Ressurreição. Tudo isso a fim de que ela cresse antes de ver o próprio Cristo. E mesmo quando Ele aparece, vem disfarçado como jardineiro, reforçando essa necessidade da fé. Como ensina a Escritura, “a fé vem pelo ouvir”, “fides ex auditu” — Deus deseja que confiemos em sua Palavra antes de termos provas visíveis.
No caminho de Emaús, Jesus fala com os discípulos sem se revelar, pois deseja que eles creiam antes de vê-lo. Do mesmo modo, à beira do lago, Ele se apresenta de forma irreconhecível e apenas após o milagre da pesca, João exclama: “É o Senhor!” — “Dominus est”. São Gregório Magno ensina que a fé perde seu mérito quando se baseia apenas na razão e na experiência [3]. A verdadeira fé consiste em crer sem ver.
Na celebração da Páscoa, Cristo Ressuscitado, glorioso no Céu e presente nos sacrários da Terra, espera de nós um ato de fé. Ao comungarmos, devemos crer firmemente que Ele está a nos tocar, fisicamente, assim como tocou em Tomé e em Madalena. Devemos crer que Jesus nos toca como tocou no filho da viúva de Naim, ressuscitando-o, e ao cego, iluminando-o. É preciso crer que Nosso Senhor, que nos toca, livra-nos da morte eterna, unindo-nos novamente a Ele, que nos prometeu: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 54).
É a Páscoa do Senhor, a passagem da morte para a Ressurreição. Mas também é a passagem de Deus por nossa vida hoje. Santo Agostinho dizia: “Timeo Deum transeuntem”, “Tenho medo de Deus que passa sem que eu perceba”. Ele passa agora, esperando nossa fé. Deixemos cair as escamas da cegueira e reconheçamos sua presença. Como os discípulos de Emaús, podemos dizer: “Não ardia nosso coração?”. Pois não são apenas palavras humanas, é o próprio Verbo eterno tocando nossa alma. Façamos, pois, um ato de fé: “Dominus est”, “É o Senhor!”. E ao fazermos isso, já começamos a viver a eternidade, independentemente das dores e provações deste mundo. Cristo já venceu a morte, já é vitorioso, e se nos unirmos a Ele, sua vitória também será nossa. Que esta Páscoa seja uma verdadeira visita do Senhor em nossa vida.
Notas
- Cf. Santo Tomás de Aquino, STh II-II 2, 2c.; 2, 3c.
- Cf. São João da Cruz, Subida do Monte Carmelo, II, c. 4, n. 4, c. 8, n. 1; c. 9, n. 1ss.
- Cf. São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, hom. 26, n. 1 (ML 76,1197C).
Via: padrepauloricardo.org