Responder ao apelo de Deus e converter-se
Santo Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja
Confissões, livro 8
Elas prendiam-me, aquelas velhas amigas, aquelas bagatelas de bagatela, vaidades de vaidade! Mansamente, puxavam-me pela veste de carne e murmuravam em voz baixa: «Queres mandar-nos embora? Deixa-te disso! Quando deixarmos de estar contigo, já não te será permitido fazer isto, ou aquilo». Oh! o que elas me sugeriam, meu Deus! […] Eu hesitava em as afastar, em saltar para onde Tu me chamavas; os maus hábitos diziam-me, tirânicos: «Julgas que poderás viver sem elas?» Mas a sua voz já era fraca, porque, do lado para onde eu voltava a cara e receava passar, a casta dignidade da continência convidava-me, nobre e graciosamente, a avançar sem receio, mostrando-me uma multidão de bons exemplos: […] «Foi o Senhor seu Deus que me entregou a eles. Porque te hás de apoiar em ti mesmo, se não te aguentas em pé? Lança-te nos seus braços, não tenhas medo. Ele não Se vai afastar para que caias. Lança-te sem receio; ele te receberá e curará». […]
Esta disputa no meu coração era uma luta de mim contra mim mesmo. […] Quando o meu olhar conseguiu por fim retirar do fundo do meu coração todas as minhas misérias, ergueu-se uma imensa tempestade de lágrimas. Para apaziguar a tormenta, levantei-me e saí. […] Sem saber muito bem como, estendi-me debaixo de uma figueira e abandonei-me completamente às lágrimas, que correram em cascata – sacrifício digno de Ti, meu Deus. E, sem poder conter-me, perguntei-Te: «E tu, Senhor, até quando? Até quando estarás irritado? Não guardes a lembrança das nossas antigas iniquidades» (Sl 6,4; 78,5). […] E lancei gritos pungentes: «Quanto tempo mais? Quanto tempo? Amanhã, sempre amanhã. Porque não já?» […]
E eis que ouvi uma voz vinda da casa ao lado, uma voz de criança ou de donzela, que cantava e repetia: «Toma e lê! Toma e lê!» Nesse instante, voltei a mim e tentei lembrar-me se seria o refrão de algum jogo infantil; mas nada me vinha à memória. Reprimindo as lágrimas, levantei-me com a ideia de que o Céu me ordenava que abrisse o livro do apóstolo Paulo e lesse a primeira passagem em que os meus olhos se fixassem. […] Voltei para casa à pressa, agarrei no livro e li a primeira coisa que vi: «Nada de comezainas e bebedeiras, nada de devassidão e libertinagens, nada de discórdias e invejas. Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo. Não vos entregueis às coisas da carne, satisfazendo os seus desejos» (Rom 13,13-14). Não valia a pena ler mais; já não era preciso. Mal acabei de ler aqueles linhas, uma luz de segurança derramou-se no meu coração e todas as trevas da minha incerteza se dissiparam.