Quando a alma se transfigura em eternidade
O homem que segue o caminho da loucura e despreza a sabedoria criativa condena-se a si próprio: não tendo limites para o seu mal, ignora a vida futura. Nem sequer quer saber se existe outra vida e recusa-se a perscrutar atentamente as causas da sua natureza mutável. Este homem pode compreender a sua infância, a sua adolescência, a sua juventude e a sua maturidade, mas é incapaz de compreender aquilo em que se está a tornar na sua decrepitude e o significado desta transformação do seu ser. A razão mostra-lhe que tem um princípio, mas ele é incapaz de saber, de compreender como é possível que a alma seja imortal e não tenha fim. […] Enquanto o homem está no seu corpo, os seus pensamentos multiplicam-se, tal como se multiplicam, incontáveis, os ecos dos louvores angélicos. Os pensamentos animam a juventude; são depois formulados pela voz da razão e postos em ação. Mas essa ação não tem vida própria: tem um princípio. Só a eternidade tira vida de si mesma sem nunca vacilar: antes de o tempo existir, já era vida eterna. Quando a alma se transfigurar em eternidade, mudará de nome: deixará de agir no homem pelo modo do pensamento e terá como morada os louvores dos anjos, que são espírito. Se então vai chamar-se espírito, é porque deixará de lutar com o corpo, com a carne. O homem terá o nome de vida, pois já é vida neste mundo, na medida em que vive pelo sopro do espírito, mas será transfigurado em imortalidade pela morte carnal, entrando na vida plena. Depois do Juízo Final, estará eternamente vivo no seu corpo e na sua alma.
Santa Hildegard de Bingen (1098-1179) abadessa beneditina e doutora da Igreja – Livro das obras divinas, cap. 6